“A independência das entidades de fiscalização superiores faz com que a sociedade reconheça a importância desses órgãos, e está inseparavelmente vinculada à independência de seus auditores de controle externo, ministros e conselheiros”. Essa foi a fala de abertura da entrevista realizada em dezembro de 2020 com o Secretário-Geral da Presidência do TCU na ocasião, o Auditor de Controle Externo Maurício Wanderley.
Em entrevista concedida para AudTCE/CE, Maurício reforça que no processo de reconhecimento dos Tribunais de Contas é indispensável que todos atuem com uma conduta ética adequada e que haja bons mecanismos de prevenção de conflito de interesse.
Com mais de 20 anos no TCU, e já tendo sido inclusive Secretário-Geral de Controle Externo, o entrevistado reafirma que o ingresso por meio de concurso público confere garantias para que o agente possa atuar de forma independente: “Os 28 cargos em comissão de livre nomeação que o TCU possui não são cargos associados a atividades de controle, são cargos de representação ligados a gabinetes de autoridades. Essa separação tem sido muito importante para o TCU ao longo dos anos”. Segundo ele, isso vem fortalecendo a carreira de auditor de controle externo, dando a ele condições para fazer um bom trabalho com respeito à sua autonomia técnica.
Ética, transparência, tecnologia e mecanismos de prevenção a conflitos de interesses: Esses e outros temas integram a entrevista que faz parte da revista virtual comemorativa dos 4 anos da entidade. Confira!
ENTREVISTA
AudTCE/CE - Por que os temas ética profissional e prevenção de conflito de interesses são tão relevantes para os auditores de controle externo e quais os reflexos no produto dos Tribunais de Contas?
Maurício Wanderley - Esses temas são importantes e devem ser discutidos porque a independência das entidades de fiscalização superiores faz com que a sociedade reconheça a importância desses órgãos. Essa independência está inseparavelmente vinculada à independência de seus auditores de controle externo, ministros e conselheiros, de sorte de que, para que a entidade seja reconhecida, é indispensável que todos atuem com uma conduta ética adequada e que haja bons mecanismos de prevenção de conflito de interesse. Isso é fundamental para que a sociedade reconheça a importância, o trabalho isento e a independência dos tribunais de contas.
A independência das entidades de fiscalização superiores faz com que a sociedade reconheça a importância desses órgãos. Essa independência está inseparavelmente vinculada à independência de seus auditores de controle externo, ministros e conselheiros, de sorte de que, para que a entidade seja reconhecida, é indispensável que todos atuem com uma conduta ética adequada e que haja bons mecanismos de prevenção de conflito de interesse.
AudTCE/CE - Você poderia citar boas práticas adotadas pelo TCU para garantir a independência do trabalho de auditoria e prevenir conflitos de interesse?
Maurício Wanderley - A primeira boa prática a ser citada são as manifestações sucessivas a partir do trabalho do auditor de controle externo do TCU. Ele assina o seu trabalho, esse texto passa pela supervisão do diretor e do secretário que emitem seus pareceres, no gabinete do relator e no colegiado os ministros também se debruçam sobre a discussão processual, e, em muitos casos, o ministério público de contas também emite parecer ministerial. Todas as peças registradas formalmente no processo de controle externo. Tudo isso ajuda a prevenir eventuais conflitos de interesse que poderiam se manifestar por meio de parecer não independente e não isento.
Uma outra boa prática importante do TCU é a transparência desses trabalhos. A Lei Orgânica do TCU determina que no relatório do ministro relator devem constar as conclusões da instrução do auditor e demais pareceres. Essa transparência também é muito importante para garantir ou mitigar o efeito de um eventual conflito de interesses. Uma terceira boa prática que o TCU tem adotado é a existência da secretaria de recursos, já que isso garante que, havendo um recurso, quem vai analisar esse recurso não é o mesmo auditor que fez a instrução inicial do trabalho. O recorrente tem a certeza de que outra pessoa vai analisar, de novo, os fatos que foram objetos do trabalho inicial.
Esses são mecanismos importantes, mas quero reforçar a importância da existência de um código de ética e de uma comissão de ética para apurar e analisar eventuais desvios de conduta ética dentro do tribunal.
A Lei Orgânica do TCU determina que no relatório do ministro relator devem constar as conclusões da instrução do auditor e demais pareceres. Essa transparência também é muito importante para garantir ou mitigar o efeito de um eventual conflito de interesses.
AudTCE/CE - Sabe-se que o TCU tem apenas 28 cargos sem comissão em toda sua estrutura, dando concretude ao quadro próprio de pessoal exigido pela Constituição. Você poderia fazer um paralelo dessa exigência constitucional com regularidade e a independência do controle?
Maurício Wanderley - Atualmente todo o quadro de pessoal que atua nas unidades técnicas e demais secretarias do tribunal ingressou por meio de concurso público. Esse fato é muito importante, já que o agente público concursado tem uma série de mecanismos que dão a ele garantias para que ele possa atuar de forma independente. Por exemplo, ele não pode sofrer nenhum tipo de punição, como ser demitido do cargo, sem a instauração de um processo, no qual é garantido a ampla defesa e o contraditório. Ademais, a própria estabilidade no cargo faz com que ele tenha muito a perder caso cometa uma infração no exercício de sua atuação e venha a ser demitido. Os 28 cargos em comissão de livre nomeação que o TCU possui não são cargos associados a atividades de controle, são cargos de representação ligados a gabinetes de autoridades. Acho que essa separação tem sido muito importante para o tribunal ao longo dos anos, isso vem fortalecendo a carreira de auditor e dando a ele condições para fazer um bom trabalho com respeito à sua autonomia técnica.
Todo o quadro de pessoal que atua nas unidades técnicas e demais secretarias do tribunal ingressou por meio de concurso público. (...) Os 28 cargos em comissão de livre nomeação que o TCU possui não são cargos associados a atividades de controle, são cargos de representação ligados a gabinetes de autoridades. Acho que essa separação tem sido muito importante para o tribunal ao longo dos anos, isso vem fortalecendo a carreira de auditor e dando a ele condições para fazer um bom trabalho com respeito à sua autonomia técnica.
AudTCE/CE - Qual o papel de um código de ética e sua regular revisão ao longo do tempo para o fortalecimento da integridade nas atividades de controle externo? Há aspectos específicos a serem observados pelas entidades de fiscalização superiores?
Maurício Wanderley - O código de ética é indispensável, já que é uma declaração da instituição acerca daquilo que se entende como os direitos, deveres bem como quais as vedações que devem ser aplicadas na atuação dos integrantes do Tribunal de Contas da União. É muito importante a sua regular revisão, pois podem surgir determinados comportamentos ou situações inadequadas que antes não eram percebidos como ensejador de conflito de interesse e, com isso, novas vedações podem ser incluídas no código. Como já falei, no caso dos Tribunais de Contas, essa conduta ética de todos os seus integrantes é fundamental para que a sociedade perceba no Tribunal de Contas uma atuação independente e confiável. O código de ética é uma peça chave para isso. Um outro elemento fundamental é a existência de uma Comissão de Ética no Tribunal para que possa analisar as eventuais situações de conflito de interesses que possam surgir no dia a dia e, quando for o caso, encaminhar para a Corregedoria apurar a ocorrência de infração funcional. Essa dupla, formada pelo Código de Ética e uma Comissão de Ética, implementadas e funcionando regularmente são mecanismos importantíssimos para favorecer essa cultura ética dentro da instituição.
AudTCE/CE - Quais os principais desafios e expectativas para a auditoria de controle externo e para os Tribunais de Contas do Brasil para os próximos anos?
Maurício Wanderley - Entendo que o maior desafio vai ser o avançar do Tribunal de Contas nas atividades da auditoria de controle externo cada vez mais apoiada pelas ferramentas de tecnologia da informação. Os tribunais de contas têm que amparar sua atuação em ferramentas que permitam dar maior celeridade e amplitude de escopo às suas atividades. É o fazer mais com menos. Lembro que hoje, com a inteligência artificial utilizada nas ferramentas de fiscalização, conseguimos fazer uma série de avaliações de uma forma muito rápida, detectando assim eventuais desvios e problemas na atividade do administrador público. Isso favorece a tempestividade e a efetividade do controle. Para planejar essa evolução, um grande passo é a definição de uma estratégia digital para a instituição. Esse ano, o TCU empreendeu uma grande discussão interna para elaborar a sua estratégia digital. O documento foi concluído em agosto deste ano e envolveu uma discussão acerca de como será a fiscalização do TCU em quatro objetos de controle: pessoal, infraestrutura, educação e transferências voluntárias. Neste documento é apresentada toda a jornada a ser percorrida com uma série de ações nos próximos cinco anos que vão permitir, nesse período futuro, que estejamos atuando diferente de hoje e permitindo a ampliação de nossas atividades, nosso olhar e a nossa fiscalização, mesmo não havendo um aumento do nosso quadro pessoal. Essa definição e a efetiva concretização da estratégia é para mim o maior desafio que vamos ter nos próximos anos.
*Maurício de Albuquerque Wanderley é Engenheiro Civil pela UnB, com Especialização em Controle Externo pela FGV. Atuou como Engenheiro da Themag Engenharia S.A. e das Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. – ELETRONORTE. Desde 1996, é Auditor Federal de Controle Externo do TCU, tendo ocupado os seguintes cargos na instituição: Secretário de Fiscalização de Desestatização (SEFID), Secretário-Geral da Presidência, Secretário de Macroavaliação Governamental, Secretário da 2ª Secretaria de Fiscalização de Desestatização e Regulação, Secretário-Geral de Controle Externo, Chefe do gabinete do Ministro Augusto Nardes e Diretor-Geral do Instituto Serzedello Corrêa, Escola Superior do Tribunal de Contas da União. Atualmente é o Secretário-Geral da Presidência do TCU.